LUÍZA CAVALCANTE CARDOSO: A MAGIA DO CINEMA
De: LUÍZA CAVALCANTE CARDOSO
Date: ter., 22 de ago. de 2023
A MAGIA DO CINEMA
Quando a larga porta do cinema Ideal se
abria, passávamos espremidos, uns contra os
outros, na maior velocidade possível, como um
estouro de boiada, ao encontro da claridade e,
principalmente, dos ares puros da praça do
Ideal. Afinal, passáramos quase três horas em
uma sala superlotada, sem ar-condicionado, em
meio aos mais diferentes odores: de suor aos
variados gases possíveis. O alívio da sensação
do vento em meu rosto na saída, eu guardo até
hoje, mais de cinquenta anos depois.
Mas, sabem, durante a sessão estes “detalhes”
quase passavam despercebidos. Estávamos
absolutamente absortos na tensão das séries
famosas da época. E, nas manhãs de sábado (ou
domingo, não consigo me lembrar!), quatro ou
cinco delas eram exibidas. E eram muitas. Entre
elas: Tarzan, O Fantasma, O Zorro e as de
cowboy. Estas com Allan Ladd e Roy Rogers. O
primeiro com um modo sedutor de olhar, entre
tímido e cínico, que doía nas entranhas. O
segundo, de uma beleza viril, sério, de pouco
riso, era o meu preferido. Talvez por oferecer
menos riscos. Um homem confiável! Desde que você
fosse capaz de seduzi-lo. Tarefa um tanto
difícil. Na verdade, ele perdeu um pouco de seus
encantos quando, tempos depois, eu soube que de
tão baixinho precisava de um caixote para beijar
as atrizes. Havia um outro, de carinha de
menino, nariz arrebitado e olhos assustados – a
meu ver, qualidades impróprias para um homem.
Mas o danado chamava a minha atenção!
Eram muitos os heróis e, naquele tempo, todos
homens. O único deles meio destituído de
encantos, pelo menos na minha época, era o Super
Homem. Ele parecia meio velho e apalermado.
Devia ser o efeito da criptonita. Mas voava! E a
cena dele, em pleno céu, levando a namorada é
antológica! No entanto, ninguém superava em
encantos o Fantasma. Este era demais! O
mistério, a elegância cavalgando o cavalo branco
(o dos príncipes, lembram?). A beleza viril, a
segurança, a calma! Esses heróis povoavam meus
sonhos verdadeiramente pueris de menina. Isto
quando tínhamos tempo para divagações, na vida
movimentada de subir em árvores, brincar de
pique esconde, estátua, ouvir histórias e
conversar com os primos.
Em uma cidade de praia e sol quase o tempo
todo, a diversão maior para nós era irmos ao
cinema. Vivíamos com gosto as aventuras na tela.
Gritávamos feito loucos, avisando ao mocinho que
o bandido o esperava de tocaia. Era um barulho
ensurdecedor que, como ninguém previa, não
adiantava nada.
Havia um tema recorrente nos roteiros: a luta
do Bem contra o Mal. Assim, direta, sem
penduricalhos. Os mocinhos eram bonitos e
bem-comportados. Os bandidos tinham dentes
podres, bebiam muito e morriam sempre. As
mulheres eram fortes, guerreiras, diretas e
afirmativas. E influenciavam bastante os homens:
a dona do cabaré, a prostituta mor, até as
mocinhas, as donas de casa, etc. Elas eram
respeitadas. E sempre havia uma personagem que
permanecera solteira muito tempo e, então,
encontrava o amor de sua vida. Aquele mocinho
bonitão, mas indeciso quanto a se estabelecer
definitivamente na cidade. Até se render ao amor
e voltar. E ela mal acreditava, quando abria a
porta e ele estava lá cheio de amor para dar.
Sabe aquela coisa de você não esperar mais nada
da vida e acontecer o melhor? Era uma epifania!
E eu, nos meus 10 ou 12 anos, simplesmente
ADORAVA!!! Por falar nisso, prefiro que Freud
não explique.
Francamente, não sei o que seria de minha
vida sem o cinema. Era o distanciamento do
cotidiano, o descanso, a alienação positiva. Era
viajar em aventuras e lugares nunca antes
navegados. Ao mesmo tempo, havia um mundo real
sempre presente, mesmo nas mais fantásticas
histórias. Um mundo no qual as pessoas sonhavam,
amavam, eram rejeitadas, odiavam e eram odiadas,
tinham problemas sérios e relacionamentos
difíceis. A vida no cinema nunca foi fácil.
Havia sempre um mal a ser enfrentado. A
diferença é que, ao contrário da vida, a solução
chegava em uma semana. Nós só tínhamos de voltar
para o próximo episódio! (luiza) |