Theresa Catharina de Góes Campos

  MÍDIA   E   POLÍTICA

De: "Telma Sueli Aguilar"
Data: Mon, 13 Feb 2006 14:57:06 -0200
Assunto: Artigo sobre Mídia e Política


Repasso e-mail recebido do meu colega Breno Moreira, editor do jornal interno do Bacen.
Abraços.
Telma


Pessoal,
Dêem uma olhada em um artigo (jornalístico, não científico) que publiquei em um site que tem objetivo de refletir sobre as relações entre a mídia e a política. O site é mantido pela UnB e tem colaboradores de todo o Brasil, a maioria acadêmicos. O meu artigo trata sobre a má cobertura que os jornais fazem do Congresso, informando apenas de maneira parcial e se restringindo ao que os leitores gostariam de ler. Leiam em: www.midiaepolitica.unb.br (lá embaixo).
O artigo estará disponível até dia 16/2 na primeira página e depois vai para Edições Anteriores.
Abraços,
Breno

     
  Jornalismo populista na cobertura do Congresso
Breno Moreira


 

 

No dia 19 de janeiro, o Congresso tomou conta das primeiras páginas dos jornais, desta vez de forma positiva. O Correio Braziliense deu como manchete: “E no esforço para melhorar imagem, deputados decidem... Em vez de 90, terão férias de 55 dias. A cada início de ano, receberão jeton de R$12,8 mil”. O jornal dedicou o editorial do dia ao assunto, e uma grande matéria na nobre página 3, além de notas em colunas. A Folha de São Paulo também deu espaço ao assunto: manchetinha, matéria, notas e um editorial. Espaço semelhante foi dado nos outros grandes jornais brasileiros.

Realmente foi fato raro. Depois de ter a imagem desgastada pelo mensalão, pelo mensalinho, por uma CPI que apresentou o relatório final um dia após o prazo, pela absolvição política de um réu confesso e pelo plenário vazio em época de convocação extraordinária, deputados resolveram votar contra seus próprios interesses. E poucas vezes na história da Câmara houve tanto consenso em relação a uma proposta de emenda constitucional: foram 466 votos a favor da PEC e apenas um contra. A revista Veja destacou que a “reação da opinião pública força deputados a acabar com salários adicionais e diminuir férias”.

Nesse fato, cabe destacar a força da imprensa: depois dos jornais começarem a anunciar que alguns poucos deputados haviam devolvido o salário extra recebido pela convocação extraordinária, os demais começaram a imitar o gesto só para também garantir espaço nos noticiários. É o que se chama, na psicologia comportamental, de reforço positivo: os que devolvem o salário ganham o prêmio de aparecer bem na foto, durante alguns segundos, para os eleitores. Até o dia da aprovação da PEC, 92 deputados (18% do total) já haviam anunciado a devolução. Com certeza, um fato nobre. Mas não podemos deixar de enxergar também que a devolução tornou-se espetáculo, encenação para eleitor ver em ano eleitoral.

Voltando à questão do recesso, os jornais destacaram positivamente que agora o Brasil tem o menor recesso parlamentar do mundo, junto com a Alemanha. Mas será que isso contribui mesmo para a democracia? O nosso Poder Legislativo é formado por duas casas: Câmara e Senado. Segundo a Constituição, a Câmara compõe-se de representantes do povo, e o Senado, de representantes dos Estados e do Distrito Federal. Ora, se 513 deputados representam 185 milhões de brasileiros, não seria lógico que esses parlamentares tivessem um tempo definido em lei para estar junto a sua base eleitoral para poder “captar” a demanda política da população e levá-la ao Congresso? Seriam 55 dias tempo suficiente para esse contato entre representantes e representados?

A mídia, no entanto, pouco contribuiu para esse debate. Apresentando-se sempre como tribuna do povo, mas beirando o populismo, os jornais foram praticamente unânimes em reafirmar o discurso corrente de que deputados são corruptos, ganham salários altos e trabalham pouco. E todos os veículos cometeram um pecado capital do jornalismo: não apresentar de forma consistente as duas partes da questão.

A falta da imparcialidade, nesses casos, é comum, já que os jornalistas procuram trabalhar sempre no campo do consenso. Quando uma questão é polêmica, a imprensa tende a reproduzir os vários pontos de vista; mas quando há um pensamento hegemônico do qual poucos discordam, os jornais estabelecem a ótica da maioria como limite para a interpretação dos fatos. A questão é saber se esse pensamento hegemônico persiste: 1) por que a sociedade ainda não debateu sobre o assunto (por falta de oportunidade ou espaço), analisando os vários lados da questão; ou 2) por que o assunto já foi debatido e, depois de analisados os vários lados, houve formação de consenso.

Considero que, no caso do recesso parlamentar, estamos na perigosa posição do primeiro caso. No entanto, mesmo se estivéssemos no segundo caso, até poderia servir de atenuante, mas não seria motivo suficiente para que os jornais se esquivassem de apresentar outros argumentos que reavivassem o debate.  Enfim, como disse Nelson Rodriges, toda unanimidade é burra.

Apesar de não parecer ético, não é difícil entender por que é interessante para os jornais mostrar os fatos segundo esse quase consenso. Cito dois motivos: 1) se fogem muito do pensamento dominante, os leitores perdem identificação com esses jornais, o que pode levar a perda de audiência e assinantes; 2) reafirmar uma idéia exige menor esforço (e risco) jornalístico para o repórter e para o editor do que contrariá-la. No caso específico da diminuição do recesso parlamentar, eu acrescentaria outro motivo: o jornal que desse destaque demais ao outro lado poderia ser acusado de estar defendendo interesses dos parlamentares.

 

Pouco trabalho

A força da opinião pública pela diminuição do recesso parlamentar está vinculada a uma idéia de fundo: a de que os parlamentares trabalham pouco.  Não quero entrar no mérito se a questão é verdadeira ou falsa, mas gostaria de salientar novamente a má cobertura da mídia sobre o assunto, o que explica em parte a formação e reafirmação dessa idéia.

Se perguntássemos a uma pessoa qualquer que imagem lhe vem à cabeça ao pedirmos que pense em um deputado trabalhando, quase certamente ela descreveria uma sessão plenária. Afinal, essa é a imagem passada pela televisão. No entanto, as votações em plenário são apenas uma parte das atribuições dos parlamentares. A maior prova de que o plenário é lugar de passar pouco tempo é que lá sequer tem quantidade de assentos suficiente para todos os deputados. Os jornais, seja por acomodação ou por incompetência, deixam de explicar: que nos turnos em que não há sessão plenária há reuniões das comissões permanentes e que cada deputado participa de pelo menos uma dessas comissões; que as negociações para aprovação de leis ocorrem nos bastidores; que muitos almoços ou jantares com outros políticos ou com membros da sociedade civil não são por diversão, mas por trabalho; que o contato com a sociedade não é somente estratégia eleitoral, mas também faz parte do trabalho parlamentar etc.

Enfim, os jornais precisam mudar a forma como realizam a cobertura do Congresso. Isso não significa deixar de apresentar as denúncias ou evitar mostrar as famosas cenas de fim de votação, mas sim deixar claro que essas são apenas uma parte do parlamento – e não o todo. E, para que o povo entenda isso, os jornais também têm que mostrar a outra parte e não somente dizer que ela existe. Se quisermos avançar em termos democráticos, nossos jornais devem evitar a estratégia populista de publicar apenas os argumentos que seus leitores querem ler, precisam sair do lugar-comum. Isso não faz o debate avançar, nem condiz com o papel assumido pela imprensa, de arena para a disputa de idéias.

 

 
     
     
 

Jornalismo com ética e solidariedade.