LIBERDADE DE
EXPRESSÃO
Repórter presa, imprensa ameaçada
A trama parece hollywoodiana, mas o drama é
real. Depois de muitas ameaças, a repórter
Judith Miller, do New York Times, foi
presa por se recusar a revelar a identidade de
uma fonte confidencial. Depois da recusa da
Suprema Corte em analisar o caso de Judith e do
repórter da revista Time Matthew Cooper,
acusados de obstruírem uma investigação federal,
a jornalista manteve a promessa feita a sua
fonte. Por isso, foi levada algemada, na
quarta-feira (6/7), para o Centro de Detenção
Alexandria, na Virgínia.
O caso teve início quando os dois jornalistas
se recusaram a testemunhar na investigação para
se descobrir quem vazou a identidade secreta de
uma agente da CIA. Há menos de duas semanas,
porém, a Time decidiu entregar ao
promotor Patrick Fitzgerald, responsável pelo
caso, as anotações de seu repórter. Quando isso
não foi suficiente para acalmar os ânimos no
tribunal, o próprio Cooper disse que concordaria
em testemunhar, pois teria recebido autorização
direta de sua fonte para fazê-lo.
Por esta razão, apenas Judith foi para a
cadeia, onde deve permanecer até o fim das
investigações, em outubro próximo, ou quando – e
se – decidir revelar a identidade de sua fonte.
O caso da jornalista alarmou grupos de defesa da
liberdade de imprensa e da Primeira Emenda da
Constituição americana, que alegam que ele seria
uma ameaça ao trabalho jornalístico. "Se
promessas de sigilo não puderem ser mantidas, a
maioria das fontes importantes irá parar de
falar com repórteres", diz o diretor-executivo
de um grupo californiano em entrevista a
Elizabeth Fernandez para o San Francisco
Chronicle [7/7/05].
Valerie Plame
O objetivo principal das investigações é
descobrir quem vazou a identidade secreta de
Valerie Plame, esposa do ex-diplomata Joseph
Wilson. A informação de que Valerie trabalhava
como agente para a CIA foi publicada pela
primeira vez em um texto do colunista Robert
Novak, que apontava como autores do vazamento
dois altos funcionários do governo. Por uma lei
de 1982, o vazamento de informações
confidenciais pode ser considerado crime em
certas circunstâncias.
Além de Novak, pelo menos seis outros
jornalistas teriam recebido a informação sobre a
identidade secreta de Valerie. Os repórteres Tim
Russert, da rede de TV NBC, e Walter Pincus, do
Washington Post, teriam cooperado com
Fitzgerald, depois de receberem autorizações de
suas fontes. O curioso é que, enquanto Judith
nunca publicou matéria sobre o assunto e Cooper
não foi o primeiro a fazê-lo, Novak não parece
ter sofrido ameaças da Justiça ou ter sido
convocado publicamente a testemunhar. As razões
para isso são um mistério, afirma artigo da
revista Economist [7/7/05].
Além de questões filosóficas, o caso levanta
também algumas suspeitas. Quanto às questões, a
principal parece dizer respeito ao privilégio de
sigilo de fontes de jornalistas. A Primeira
Emenda determina que não sejam proibidas as
liberdades de expressão e de imprensa. Mas
enquanto ela é absoluta no que envolve o direito
de publicação, é bem menos categórica quanto à
proteção do processo de apuração jornalística,
ressalta a Economist.
Judith Miller afirmou que "jornalistas não
podem fazer seu trabalho sem poderem prometer
confidencialidade a suas fontes. Tais proteções
são essenciais para o livre fluxo de informação
em uma democracia". O juiz Thomas Hogan, por sua
vez, defende que a atitude de Judith, assim como
a de outros jornalistas que preferem a prisão à
traírem a confiança de suas fontes, não merece
respeito. "Há uma possibilidade real de que o
confinamento a faça testemunhar", disse ele
depois da decisão de aprisionar a repórter,
informam Joe Hagan e Anne Marie Squeo [The
Wall Street Journal, 6/7/05].
Já as suspeitas retornam ao início do caso,
há dois anos. Em janeiro de 2003, o presidente
George W. Bush afirmou que Saddam Hussein teria
tentado adquirir urânio da África. Em julho
daquele ano, o ex-embaixador Joseph Wilson – que
em 2002 havia estado no Níger pela CIA para
investigar esta suspeita – escreveu um artigo
para o New York Times contestando as
alegações do presidente. Uma semana depois, foi
publicado o texto do conservador Novak com a
identidade secreta da mulher de Wilson revelada.
Seria vingança?
A outra suspeita é quanto às fontes que
teriam vazado tal informação para os
jornalistas. Depois da entrega das anotações de
Cooper, as atenções se voltaram para o assessor
político e amigo de Bush Karl Rove, grande
estrategista da campanha que reelegeu o
republicano. O advogado de Rove afirma que ele
realmente teve contato com o repórter da Time
em julho de 2003, mas nega que seu cliente tenha
sido o responsável pela divulgação da informação
confidencial.
Liberdade e proteção
A discussão gerada pelo caso trouxe à tona a
necessidade da criação de uma nova legislação
sobre o assunto. Segundo a Associated Press
[7/7/05], o Comitê Judiciário do Senado planeja
formular uma lei nacional de proteção a
jornalistas que se recusem a identificar suas
fontes. Hoje, esta proteção é adotada em 49
estados americanos e no Distrito de Columbia,
mas não nos tribunais federais.
O caso Valerie Plame é considerado um teste
crucial para a liberdade de imprensa nos EUA. A
credibilidade do jornalismo no país parece
desmoronar a cada ano. Em 2004, mais de 70
jornalistas e organizações de mídia– o maior
número em três décadas – foram envolvidos em
disputas em tribunais federais sobre acesso a
informações confidenciais que nem chegaram a ser
publicadas.
Se o caso Watergate é hoje um exemplo de como
a confidencialidade de fontes é importante para
que seja cumprida a função pública do
jornalismo, é longa a lista de casos que
contribuem para o argumento oposto a este. O
repórter-plagiador Jayson Blair no New York
Times, o caso dos documentos forjados
utilizados pelo 60 Minutes em matéria
sobre Bush e a retratação da Newsweek na
história sobre a difamação do Corão em
Guantánamo revelam que, atualmente, este
privilégio pode – e é – mal utilizado, e por
isso corre sérios riscos. Com informações de
Adam Liptak [The New York Times, 7/7/05].