12/7/2005
006/020
LIBERDADE DE EXPRESSÃO
Repórter presa, imprensa ameaçada

A trama parece hollywoodiana, mas o drama é real. Depois de muitas ameaças, a repórter Judith Miller, do New York Times, foi presa por se recusar a revelar a identidade de uma fonte confidencial. Depois da recusa da Suprema Corte em analisar o caso de Judith e do repórter da revista Time Matthew Cooper, acusados de obstruírem uma investigação federal, a jornalista manteve a promessa feita a sua fonte. Por isso, foi levada algemada, na quarta-feira (6/7), para o Centro de Detenção Alexandria, na Virgínia.

O caso teve início quando os dois jornalistas se recusaram a testemunhar na investigação para se descobrir quem vazou a identidade secreta de uma agente da CIA. Há menos de duas semanas, porém, a Time decidiu entregar ao promotor Patrick Fitzgerald, responsável pelo caso, as anotações de seu repórter. Quando isso não foi suficiente para acalmar os ânimos no tribunal, o próprio Cooper disse que concordaria em testemunhar, pois teria recebido autorização direta de sua fonte para fazê-lo.

Por esta razão, apenas Judith foi para a cadeia, onde deve permanecer até o fim das investigações, em outubro próximo, ou quando – e se – decidir revelar a identidade de sua fonte. O caso da jornalista alarmou grupos de defesa da liberdade de imprensa e da Primeira Emenda da Constituição americana, que alegam que ele seria uma ameaça ao trabalho jornalístico. "Se promessas de sigilo não puderem ser mantidas, a maioria das fontes importantes irá parar de falar com repórteres", diz o diretor-executivo de um grupo californiano em entrevista a Elizabeth Fernandez para o San Francisco Chronicle [7/7/05].

Valerie Plame

O objetivo principal das investigações é descobrir quem vazou a identidade secreta de Valerie Plame, esposa do ex-diplomata Joseph Wilson. A informação de que Valerie trabalhava como agente para a CIA foi publicada pela primeira vez em um texto do colunista Robert Novak, que apontava como autores do vazamento dois altos funcionários do governo. Por uma lei de 1982, o vazamento de informações confidenciais pode ser considerado crime em certas circunstâncias.

Além de Novak, pelo menos seis outros jornalistas teriam recebido a informação sobre a identidade secreta de Valerie. Os repórteres Tim Russert, da rede de TV NBC, e Walter Pincus, do Washington Post, teriam cooperado com Fitzgerald, depois de receberem autorizações de suas fontes. O curioso é que, enquanto Judith nunca publicou matéria sobre o assunto e Cooper não foi o primeiro a fazê-lo, Novak não parece ter sofrido ameaças da Justiça ou ter sido convocado publicamente a testemunhar. As razões para isso são um mistério, afirma artigo da revista Economist [7/7/05].

Além de questões filosóficas, o caso levanta também algumas suspeitas. Quanto às questões, a principal parece dizer respeito ao privilégio de sigilo de fontes de jornalistas. A Primeira Emenda determina que não sejam proibidas as liberdades de expressão e de imprensa. Mas enquanto ela é absoluta no que envolve o direito de publicação, é bem menos categórica quanto à proteção do processo de apuração jornalística, ressalta a Economist.

Judith Miller afirmou que "jornalistas não podem fazer seu trabalho sem poderem prometer confidencialidade a suas fontes. Tais proteções são essenciais para o livre fluxo de informação em uma democracia". O juiz Thomas Hogan, por sua vez, defende que a atitude de Judith, assim como a de outros jornalistas que preferem a prisão à traírem a confiança de suas fontes, não merece respeito. "Há uma possibilidade real de que o confinamento a faça testemunhar", disse ele depois da decisão de aprisionar a repórter, informam Joe Hagan e Anne Marie Squeo [The Wall Street Journal, 6/7/05].

Já as suspeitas retornam ao início do caso, há dois anos. Em janeiro de 2003, o presidente George W. Bush afirmou que Saddam Hussein teria tentado adquirir urânio da África. Em julho daquele ano, o ex-embaixador Joseph Wilson – que em 2002 havia estado no Níger pela CIA para investigar esta suspeita – escreveu um artigo para o New York Times contestando as alegações do presidente. Uma semana depois, foi publicado o texto do conservador Novak com a identidade secreta da mulher de Wilson revelada. Seria vingança?

A outra suspeita é quanto às fontes que teriam vazado tal informação para os jornalistas. Depois da entrega das anotações de Cooper, as atenções se voltaram para o assessor político e amigo de Bush Karl Rove, grande estrategista da campanha que reelegeu o republicano. O advogado de Rove afirma que ele realmente teve contato com o repórter da Time em julho de 2003, mas nega que seu cliente tenha sido o responsável pela divulgação da informação confidencial.

Liberdade e proteção

A discussão gerada pelo caso trouxe à tona a necessidade da criação de uma nova legislação sobre o assunto. Segundo a Associated Press [7/7/05], o Comitê Judiciário do Senado planeja formular uma lei nacional de proteção a jornalistas que se recusem a identificar suas fontes. Hoje, esta proteção é adotada em 49 estados americanos e no Distrito de Columbia, mas não nos tribunais federais.

O caso Valerie Plame é considerado um teste crucial para a liberdade de imprensa nos EUA. A credibilidade do jornalismo no país parece desmoronar a cada ano. Em 2004, mais de 70 jornalistas e organizações de mídia– o maior número em três décadas – foram envolvidos em disputas em tribunais federais sobre acesso a informações confidenciais que nem chegaram a ser publicadas.

Se o caso Watergate é hoje um exemplo de como a confidencialidade de fontes é importante para que seja cumprida a função pública do jornalismo, é longa a lista de casos que contribuem para o argumento oposto a este. O repórter-plagiador Jayson Blair no New York Times, o caso dos documentos forjados utilizados pelo 60 Minutes em matéria sobre Bush e a retratação da Newsweek na história sobre a difamação do Corão em Guantánamo revelam que, atualmente, este privilégio pode – e é – mal utilizado, e por isso corre sérios riscos. Com informações de Adam Liptak [The New York Times, 7/7/05].