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Artigo |
28/11/2005 |
18:04 |
Ética
Jornalística |
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*
Boaventura
de Souza
Santos
Demitida do
New York
Times,
Judith
Miller e
suas
reportagens
sobre as
inexistentes
armas de
Saddam foram
parte de um
incrível
esquema de
manipulação
da opinião
pública. O
jornal pediu
desculpa aos
leitores.
Mas terá
sido apenas
vítima?
A jornalista
Judith
Miller acaba
de ser
despedida
pelo New
York Times (NYT)
depois de
ter passado
quase três
meses na
prisão por
se ter
recusado a
identificar
as fontes de
um vazamento
de
informação
sobre a
identidade
de uma
agente
secreta da
CIA. Esta
notícia
parece algo
paradoxal.
Como é
possível que
uma
jornalista
de tão
elevada
exigência
ética seja
despedida
por um dos
jornais mais
influentes
do mundo?
Mais
estranho
ainda é que
não tenha
havido
nenhum
movimento de
jornalistas
em favor da
sua colega e
muitos
tenham
manifestado
as suas
dúvidas
acerca dos
verdadeiros
motivos do
silêncio
desta
jornalista.
A explicação
de tudo isto
está no fato
de Judith
Miller ter
sido a
jornalista
que mais
prolificamente
escreveu
sobre as
armas de
destruição
em massa de
Saddam
Hussein e
mais
zelosamente
defendeu a
tese de que
tais armas
existiam.
Com fortes
ligações aos
neoconservadores
que dominam
a
administração
Bush, Miller
teve acesso
a informação
confidencial
que
alegadamente
justificava
as suas
reportagens
e que pôde
usar sob a
condição de
não a
revelar, nem
sequer aos
próprios
directores
do NYT.
Segundo
alguns
analistas
políticos, a
persistência
e o
dramatismo
das
reportagens
da
jornalista
tiveram um
papel
decisivo em
condicionar
a opinião
norte-americana,
no sentido
de apoiar a
invasão do
Iraque e em
influenciar,
no mesmo
sentido,
muitos
jornalistas
estrangeiros.
Ora, nos
últimos
meses
souberam-se
dois fatos
importantes:
não havia
armas de
destruição
em massa no
Iraque e a
administração
Bush sabia
disso quando
decidiu a
invasão; as
reportagens
da
jornalista
do NYT foram
parte de um
esquema
impressionante
de
manipulação
da opinião
pública e de
produção de
informação
falsa que
envolveu
muitos meios
de
comunicação
e
jornalistas,
não só nos
EUA, como no
resto do
mundo.
O esquema
envolveu o
departamento
de defesa,
setores dos
serviços
secretos,
especialistas
de "gestão
de
percepção" e
de
"manipulação
da
informação",
contratados
para o
efeito, e
ainda o
Iraqi
National
Congress,
uma
organização
de
dissidentes
iraquianos,
criada pela
CIA e
dirigida por
um exilado,
Ahmad
Chalabi,
condenado
por crimes
contra a
economia na
Jordânia e
hoje um dos
homens
fortes do
Iraque.
Os detalhes
da operação
começam a
ser
conhecidos e
mostram como
a informação
foi
transformada
em arma e em
alvo de
guerra:
notícias
falsas,
inundando as
redações de
todo o mundo
e incluindo
segmentos
televisivos
com "embuste
militar";
"operações
psicológicas
secretas",
envolvendo o
favorecimento
dos
jornalistas
amigos, a
demonização
dos hostis e
a
desmoralização
dos que
tentassem
verificar ou
cruzar a
informação;
envio de
equipes de
técnicos de
informação e
de
contra-informação
a países
considerados
estratégicos
etc. etc.
O NYT pediu
desculpa aos
leitores por
ter se
deixado ser
"vítima" da
desinformação.
Mas terá
sido apenas
vítima? Em
livro
recente,
Richard Falk
e Howard
Friel
revelam que
os 70
editoriais
do NYT sobre
o Iraque,
entre
Setembro de
2001 e Março
de 2003, não
mencionaram
nunca as
palavras
"direito
internacional"
ou "Carta da
ONU".
Mas o
problema não
é apenas
norte-americano.
Alguns
jornais
europeus
(incluindo
os nossos)
encheram-se
de
editoriais e
de páginas
fazendo a
apologia da
guerra e
lançando o
opróbrio
contra todos
aqueles que
se
manifestavam
contra ela,
com base no
direito
internacional
e na
informação
já então
disponível,
alguma da
própria CIA,
de que não
havia armas
de
destruição
em massa no
Iraque nem
havia
nenhuma
articulação
entre Saddam
e a Al Qaeda.
O NYT
despediu a
jornalista.
O que
aconteceu no
resto do
mundo? Algum
jornalista
confessou o
erro ou foi
punido?
Alguém é
responsável
por esta
monumental
fraude
contra a
opinião
pública
mundial?
*
Sociólogo e
professor
catedrático
da Faculdade
de Economia
da
Universidade
de Coimbra,
em Portugal
- (texto
publicado
originalmente
na coluna -
http://agenciacartamaior.uol.com.br/agencia.asp?id=1565&coluna=boletim
- que o
autor mantém
no site da
Agência
Carta Maior,
em
23/11/2005)
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