Theresa Catharina de Góes Campos

 
   
 
02 de Dezembro de 2005
 
Fale Conosco Expediente Mapa do Site
 
 
Entrevistas da FENAJ 01/12/2005 | 15:55
Os jornalistas precisam romper
com o isolamento das consciências
 
Os riscos inerentes ao exercício da profissão, a apatia, o imobilismo e o individualismo exacerbado, são desafios a serem enfrentados pelos jornalistas. Esta é a opinião de Aziz Filho, presidente do Sindicato dos Jornalistas do Município do Rio. Entre as alternativas para a superação destes problemas, conquista de melhores condições de trabalho e melhor qualidade de vida, ele aponta a ampliação do debate sobre políticas de proteção, a constituição de Comissões de Segurança nas redações, o fortalecimento das entidades sindicais e a valorização de ações coletivas.

Com 17 anos de profissão, Aziz Filho começou no jornal O Globo, onde ganhou Prêmio Esso de Jornalismo e Prêmio Líbero Badaró. Passou também pelo JB, O Dia e Folha de São Paulo. Apresentou no canal GNT os programas GNT Cidadania Brasil e Movimento Urbano, com temas ligados ao Terceiro Setor e à rotina das grandes cidades brasileiras, e na TVE a Série Brasil Urgente, sobre a exclusão social no país. É autor do livro “Paraíso Armado”, junto com Francisco Alves Filho. Atualmente chefia a sucursal da revista IstoÉ no Rio de Janeiro.

E-FENAJ – Aziz, o Luiz Fernando Fonteque, estudante de Jornalismo em Goiânia, registra que a violência contra a imprensa é crescente no Brasil e no mundo. Ele considera que estes casos ficaram mais evidentes após a morte do Tim Lopes e com as agressões contra jornalistas na cobertura dos conflitos no Iraque. Ele questiona: como os atuais e futuros profissionais podem lidar com casos de pressão política, opressão, intimidação, censura e terrorismo? Em quem devem se apoiar para que isso não os afete na continuidade da profissão? O que os sindicatos, o futuro CFJ e os órgãos internacionais podem fazer para que a imprensa possa cumprir sua função de informar?

Aziz Filho – O jornalismo vai lidar sempre com pressões, opressão, intimidação, censura e risco de vida, ainda mais nos países que não amadureceram seu sistema democrático e de transparência do poder. Na balança do profissional, é necessário que o pêndulo do senso de Justiça e a paixão pela informação transparente estejam sempre acionados para que, caso a caso, ele saiba como proceder. Seria um romantismo descabido afirmar que o jornalista nunca cede. Lidamos com um material altamente sensível. As ponderações e o jogo de cintura são instrumentos que precisamos saber usar em muitas situações. O apoio devemos buscar sempre, acima de tudo, na nossa consciência. Recorrer à sabedoria dos mais experientes também ajuda muito. O jornalista não pode ser arrogante a ponto de achar que sabe de tudo, de se submeter a riscos desnecessários. O maior desafio da profissão – e conseqüentemente das nossas instâncias representativas (sindicatos, FENAJ e órgãos internacionais) – é enfrentar e vencer a desmobilização e o individualismo exacerbado. Aqui no Rio, temos tentado convencer os colegas de que precisamos lutar para criar as Comissões de Segurança das Redações. Elas seriam formadas por jornalistas eleitos em cada redação e a eles caberia, ouvindo sempre os colegas, formular regras, caso a caso, para proteger os profissionais e evitar a exposição desnecessária e exagerada aos riscos de morte no dia a dia da cobertura da violência.

E-FENAJ - Há algumas semanas vivenciamos casos como o da colega da TV Bandeirantes que foi alvejada quando cobria um tiroteio entre policiais e traficantes no Rio e do motorista de um jornal no Ceará que foi vitima de um latrocínio enquanto aguardava o repórter e o fotógrafo que cobriam uma pauta. Em casos como estes, os sindicatos de jornalistas geralmente, além de solidarizarem-se com as vitimas, seus familiares e darem todo o apoio material possível, denunciam os casos e cobram iniciativas dos órgãos de segurança pública. Onde fica a responsabilidade das empresas que contratam os jornalistas? Resume-se a, quando muito, fazerem contratos de seguro coletivo? O que mais as entidades sindicais dos jornalistas podem fazer para "prevenir" e cobrar contrapartidas dos patrões?

Aziz Filho - A criação de regras de proteção, de seguros de vida, a exigência de equipamentos de proteção à vida, o cálculo de um adicional de periculosidade de acordo com a freqüência do risco e a capacidade da empresa, tudo isso estaria na atribuição das comissões de segurança. Não podemos deixar de cobrar a responsabilidade das empresas e a omissão dos governos, mas temos de ir além. A violência urbana nos padrões que assistimos hoje é um fenômeno relativamente recente enquanto ameaça concreta à integridade dos profissionais de imprensa. Ainda não amadurecemos esse debate e dificilmente conseguiremos chegar lá se os profissionais, especialmente os jovens, não entenderem a importância de prestigiarem suas entidades representativas. A pessoa muitas vezes tende a achar que tragédia só acontece ao outro, nunca com ela. É uma fantasia, uma irresponsabilidade, produzida por essa corrente maluca de pensamento de que o coletivo é ultrapassado, que o interesse público morreu quando as experiências socialistas fracassaram, que é cada um por si e Deus por todos, a miragem do “eu, eu, eu”. Reagir a isso é a luta mais digna que um sindicato pode travar. Precisamos romper o isolamento das consciências e convencer os profissionais a se agruparem na defesa de regras para aumentar a segurança e, de um modo geral, na batalha para melhorar a qualidade de vida da categoria.

E-FENAJ - O Sindicato dos Jornalistas do Município do Rio é um dos pioneiros na categoria no debate de políticas de segurança e proteção dos profissionais. Inclusive incorporando esta questão nas pautas de reivindicações de suas campanhas salariais. Fale-nos um pouco sobre como avançar em políticas de segurança e proteção dos jornalistas. Como vem se dando a relação com o patronato nesta questão? No Rio vocês já conquistaram alguma garantia em acordos ou convenções coletivas?

Aziz Filho - Não. Não conquistamos. Quem nunca negociou com os patrões de comunicação não tem idéia do sofrimento que é. A gente se acaba, perde vários quilos em cada reunião de tanto descarregar argumentos óbvios para furar a cabeça dura deles, mas são insensíveis demais. Temos informações de que, em função dos últimos acontecimentos e das nossas cobranças, algumas empresas já se mexeram. Compraram equipamentos de proteção e têm procurado evitar a superexposição desnecessária de seus profissionais a situações de risco. No episódio da TV Bandeirantes, a empresa afirmou que os profissionais tinham colete à prova de bala, mas que ainda não estavam usando porque não tinham entrado na favela, estavam no asfalto, na rua São Clemente, uma das mais movimentadas de Botafogo, de onde sai o acesso ao morro Dona Marta. Este episódio nos fez incluir o carro blindado na pauta mínima de reivindicação de equipamentos de segurança. Talvez, se tivesse uma comissão de segurança funcionando, ela já poderia ter pensado nisso e evitado o acidente. Sabemos que as empresas menores terão mais dificuldade para atender às novas exigências de proteção, mas não se pode brincar com a vida. A morte de um jornalista desprotegido em uma cobertura pode ser um tiro de morte na imagem da empresa, dependendo das circunstâncias. É bom os patrões começarem a raciocinar assim, caso não considerem a vida humana importante o suficiente para justificar esses investimentos. Não há motivo para os patrões sequer responderem às nossas reivindicações. É de uma arrogância irresponsável e vamos continuar batendo nesta tecla porque não fomos eleitos para nos conformar com essas cegueiras. Consideramos necessário criar uma comissão em cada redação porque cada redação tem suas peculiaridades, suas condições. E defendemos que os integrantes das comissões tenham imunidade sindical para que possam fazer seu trabalho com segurança e com a ousadia necessária.

E-FENAJ - Certamente só obteremos maiores conquistas com uma maior participação da categoria no cotidiano das entidades sindicais. E esta questão foi a que mais gerou questionamento dos participantes desta coletiva virtual. Vamos a elas. O Secretário Geral do Sindicato dos Jornalistas do Estado do Rio, Ernesto Viana, além de parabenizá-lo pela excelente gestão no Sindicato do Município do Rio, pergunta qual é, na sua opinião, o fator principal que motiva a categoria a procurar o sindicato, esperança de salários mais altos, busca de cursos de aperfeiçoamento ou simplesmente a filiação para resolver questões administrativas, como por exemplo, os registros?

Aziz Filho – Valeu Ernesto. Companheiro, estamos querendo fazer uma pesquisa exatamente sobre isso, perguntar a cada associado, especialmente aos 500 que entraram no sindicato no último ano, o motivo da decisão de se filiar. Pessoalmente, acho que a motivação política ainda é a principal. É claro que a maioria das pessoas não tem essa consciência, da necessidade de fortalecer sua entidade representativa, mas ainda acho que, entre os filiados, essa é a motivação principal. Isso ainda existe. Minha preocupação maior é com a juventude, os profissionais que não viveram na faculdade um ambiente de luta política, de disputas ideológicas, como acontecia na vida universitária dos que hoje têm mais de 40 anos. O sindicato que não entender a necessidade de atrair essa nova geração está condenado à fragilidade e ao desaparecimento, a se transformar em mero órgão emissor de carteirinhas. No caso do Rio, temos um problema extra para solucionar na busca de mobilização e de atração dos jovens, que é o fato de toda a diretoria estar ativa no mercado de trabalho, principalmente nas redações, onde se trabalha como condenado. Temos 15 diretores e mais uma meia dúzia de colaboradores valiosos. Todos trabalham muito e nenhum está licenciado para se dedicar a essa tarefa de politização, de mobilização. Os que assumem essa tarefa acabam sobrecarregados, prejudicam sobremaneira a vida privada, a relação com os filhos, a vida social. Muitas vezes a sensação é de que o trabalho é absolutamente inglório, pois a galera não reconhece o esforço, só sabe criticar e cobrar, e você fica falando sozinho, que nem maluco. Resistir a essa sensação broxante para manter a cabeça erguida e continuar na luta é uma arte. Temos procurado desenvolver essa arte. Criamos até um bar, chamado Bar Aparelho, que funciona às segundas-feiras, para atrair as pessoas para pensar a política. Se for preciso, plantamos até bananeira em praça pública. Nós acreditamos que, se não vamos mudar esse quadro de individualismo e alienação política, vamos pelo menos plantar algumas sementinhas. Se elas não florescerem, lamento muito pelas novas gerações de jornalistas, que estarão bem mais desprotegidas do que hoje. Espero, sinceramente, que acordem desse sonho ingênuo, desse torpor ideológico, e entrem logo na briga para melhorar a qualidade do nosso jornalismo e a vida dos jornalistas.

E-FENAJ - O Henrique Silter, estudante de Jornalismo em Taguatinga (DF), questiona como pode ser a participação dos jornalistas no cotidiano dos sindicatos e quais são as políticas eficientes que podem proteger e assegurar o trabalho do jornalista e como elas podem nos beneficiar?

Aziz Filho - Sugiro ao Henrique que, se ainda não participa da vida sindical, procure o sindicato de Brasília. Há companheiros muito combativos e uma série de iniciativas valiosas da diretoria. É um dos sindicatos mais atuantes do país, a turma é fera mesmo. No Rio, temos a categoria do “pré-sindicalizado”. Pagando metade da mensalidade, só R$ 9 por mês, o estudante tem sua carteirinha e o direito de aproveitar convênios ótimos. Só para citar um exemplo, o desconto oferecido pela Aliança Francesa em um mês é suficiente para pagar um ano de sindicato. Eu não vou ser grosseiro e chamar de idiota a decisão de não se sindicalizar, mas que é meio bobo, isso é. Até para quem não tem a consciência política muito desenvolvida e vê o sindicato como uma fonte de vantagens individuais. Claro que não vamos dispensar esse tipo de pessoa como sócio, Todos são bem vindos porque precisamos aumentar nossa representatividade, mas jamais deixaremos de bater na tecla de que o maior benefício da sindicalização é, e será sempre, o fortalecimento da profissão, da dignidade da categoria, do aumento da qualidade de vida dos trabalhadores. Como costumamos provocar em nossas campanhas salariais, quem fica parado, camarada, é poste.

E-FENAJ - Para finalizar, a Rosana Pinto, que estuda Jornalismo na UFPA, quer saber por que há tantas divergências entre os sindicatos e os profissionais. Ela considera que isto ficou evidente principalmente durante a polêmica sobre a criação do CFJ e questiona: não deveria ser diferente?

Aziz Filho – Seria ótimo se fosse diferente. Os motivos de haver um certo descompasso entre os sindicatos e algumas parcelas da categoria são muito variados. Muitas vezes o sindicato não é atuante como gostaria o profissional. Outras vezes as pregações do individualismo exacerbado conquistam as mentes e o sindicato fica sem armas para fazer frente a essa ideologia que prega a impotência. No caso específico do Conselho, aposto na segunda hipótese. Os patrões fizeram uma campanha maciça, covarde, sem dar voz ao outro lado, usando suas páginas para defender seus interesses, especialmente o da desregulamentação e fragilização da categoria. Um conselho, em tese, não ficaria omisso diante de casos em que o jornalista é chantageado pelo chefe e obrigado a violentar sua consciência, só para citar um exemplo. E é lógico que isso não interessa aos donos dos meios de comunicação, que querem liberdade absoluta para manipular os profissionais ao bel prazer de suas vontades, longe da vigilância de um Código de Ética. Eles confundiram a sociedade e levaram muita gente a acreditar que um conselho de jornalistas seria um atentado do governo contra a liberdade de imprensa. É exatamente o contrário. Hoje é o governo que expede o registro profissional, através das delegacias do Trabalho, loteadas entre políticos nos estados Depois de mais de uma década de discussões em seus encontros e congressos, a FENAJ, enquanto representante de 31 sindicatos, conseguiu convencer o governo a enviar ao Congresso um projeto transferindo essa atribuição de emissão de registros para um conselho, formado por jornalistas eleitos por todos os jornalistas. Só o governo poderia enviar um projeto ao Congresso abrindo mão de atribuições suas. Por isso foi necessário recorrer ao governo. Acontece que a pregação histérica dos patrões, com a força dos meios de comunicação, fez a cabeça de muita gente, incluindo aí os profissionais. Não foram só os puxa-sacos que ficaram contra o Conselho, mas eles estavam ali. Tudo bem, faz parte. Claro que tem muito profissional sério que não concorda com a criação do Conselho, por considerar que isso aumentaria a burocracia, que daria poder demais na mão de poucas pessoas, que seria um cartório a mais, sei lá quais os outros motivos. Eles merecem respeito e em alguns momentos mais tensos dessa discussão é possível que tenham se sentido agredidos pelos excessos retóricos de algum companheiro dos sindicatos. Aconteceu também o contrário: muitos dos que são contra o Conselho partiram para generalizações estúpidas, agredindo os dirigentes sindicais. Mas estou convencido de que um dia o conselho será criado e todos esses fantasmas vão virar fantasminhas. Será o mais importante passo histórico na valorização da nossa profissão e no aumento da auto-estima dos jornalistas, que anda meio pra baixo. Como dirigentes sindicais, precisamos ser tolerantes, pacientes e firmes na tarefa de mudar essas mentalidades anti-coletivas, precisamos abraçar os que pensam de forma diferente e convencê-los, com muito debate, de que nenhum profissional ético tem a perder com o conselho. A única ameaça que o conselho representa é à esculhambação, à truculência e à arrogância dos que querem o mercado como único regulador das relações humanas.

E-FENAJ - Obrigado por sua participação, Aziz. A próxima coletiva virtual da FENAJ será disponibilizada no dia 15 de dezembro. Nossa convidada é Maria José Braga, tesoureira da Federação e representante da FENAJ no Comitê Consultivo do Ministério das Comunicações sobre o Sistema Brasileiro de Televisão Digital (SBTVD). Ela abordará esta questão, que vem gerando bastante polêmica entre as entidades da sociedade civil, empresários e governo.

Para participar, encaminhe perguntas, até as 18 horas do dia 13 de dezembro, para boletim@fenaj.org.br, especificando, na linha de assunto, "Entrevistas da FENAJ".

 
Últimas notícias:
01/12/2005 - Os jornalistas precisam romper
com o isolamento das consciências
01/12/2005 - Sai o acórdão e Ministério do Trabalho suspende emissão de registros precários
28/11/2005 - Manoel Alvares confirma publicação
do acórdão para a próxima quarta-feira
 
HIGS 707 - Bl. R. Casa 54. CEP 70.351-718. Brasília - DF. Tels.: (61) 3244-0650/3244-0658. Fax: (61) 3242-6616. E-mail: fenaj@fenaj.org.br
 

Jornalismo com ética e solidariedade.