Há muita conversa, hoje em dia,
sobre responsabilidade social da
empresa, sobre ética
empresarial, sobre moral no
mundo dos negócios. O que
significa isso? Numa palavra:
marketing.
O capitalismo, por natureza,
não é moral. Nem imoral. Não é
isso o que importa. O que
importa é ganhar dinheiro, gerar
lucro. Essa é a essência do
sistema econômico hoje
hegemônico. Outros aspectos são
periféricos. O capitalismo é
amoral.
Talvez não haja muita
novidade nesse enfoque, mas num
momento em que a defesa da moral
empresarial virou um negócio
lucrativo é oportuno o
lançamento do livro do filósofo
francês André Comte-Sponville,
que desconfia do discurso que
tenta camuflar o real propósito
do capitalismo.
Antes de criticar
Comte-Sponville, os empresários
"socialmente corretos", para
quem a idéia do amoralismo
econômico causa desconforto,
devem saber que o autor acha
positiva a dissociação entre o
mundo dos negócios e o da moral.
Que uma coisa não tem a ver
com outra parece claro: não é a
moral que determina os preços, é
a lei da oferta e da procura;
não é a virtude que cria o
valor, é o trabalho. Mas a
empresa não deve gerar emprego?
Sim, mas só se o empregado gerar
valor maior que seu salário (a
mais-valia descrita por Marx). E
o cliente não deve ser
satisfeito? Sim, mas não é para
satisfazer o cliente que se quer
satisfazer o dono da empresa, o
acionista; é o contrário: é para
satisfazer o acionista que se
quer satisfazer o cliente.
O capitalismo é antipático.
Enriqueça. Seja egoísta. Aja
segundo seus interesses. Se cada
um cuidar de si, a sociedade
progride economicamente. Essa é
a lógica do capitalismo. Cruel e
perversa, a realidade é que
apenas reflete a natureza
humana. Essa é a origem de sua
eficácia, relativamente superior
à do socialismo, tal como foi
experimentado no século passado.
E, no entanto, é o
socialismo, esse sim, que tem a
ver com moral, pelo menos em sua
concepção. Para o comunismo
triunfar seria necessário que as
pessoas deixassem de ser
egoístas e pusessem o interesse
geral acima do interesse
particular. Como isso não
acontece voluntariamente,
recorreu-se à coerção. O
totalitarismo não seria,
portanto, apenas um desvio de
rota. "É assim que se passa da
bela utopia marxista, no século
XIX, ao horror totalitário que
todos conhecem, no século XX",
escreve Comte-Sponville. "O erro
simpático e nefasto de Marx foi
o de querer erigir a moral em
economia."
O filósofo, que flertou com o
comunismo na juventude dos anos
60, fala da perspectiva de um
liberal de esquerda, como se
define. Ele explica o que
entende por isso: "Os liberais
de esquerda são os que constatam
o fracasso do marxismo, sem
renunciar com isso a agir pela
justiça (inclusive a justiça
social) e pela liberdade
(inclusive a liberdade
econômica)".
Para Comte-Sponville, a moral
numa sociedade capitalista deve
ser procurada fora da esfera
econômica. "Querer fazer do
capitalismo uma moral seria
fazer do mercado uma religião e
da empresa, um ídolo. Se o
mercado virasse uma religião,
seria a pior de todas, a do
bezerro de ouro. E a mais
ridícula das tiranias, a da
riqueza."
Esse é o perigo do marketing da
moral.